A INCONSEQUENTE BELIGERÂNCIA MIDIATIZADA – Cel. PM Roberto Allegretti

A INCONSEQUENTE BELIGERÂNCIA MIDIATIZADA

Cel. PM Roberto Allegretti

            Manifestações em redes sociais havidas no final do mês de janeiro, em relação às declarações do Secretário da Segurança Pública em exercício, Cel. PM Álvaro Batista Camilo, e que versaram sobre a proibição de concessão de reajustes salariais durante o período de pandemia contida na Lei Complementar nº. 173 de 2020, desencadearam embate midiatizado de alto teor emocional, com acusações e adjetivação inadequadas que atingiram a extensa e exitosa biografia daquela autoridade. Nesse cenário, a Associação Fundo de Auxílio Mútuo dos Militares do Estado de São Paulo – AFAM, por  meio de seu Presidente, depois de passado o período de maior efervescência desse embate, manifesta o seu entendimento sobre o tema e sobre as discussões dele decorrentes.

À exceção da atribuição de responsabilidade pela promulgação da lei unicamente ao Presidente da República, já que a matéria foi discutida e aprovada pelas duas Casas do Congresso Nacional, as declarações do Secretário foram fundamentadas em decisões do Supremo Tribunal Federal, no julgamento das ADIs 6450 e 6525, que questionavam a constitucionalidade da LC 173, sendo ambas julgadas improcedentes. O tema foi retomado por aquela Suprema Corte na Reclamação 48.538, e, por decisão monocrática do Relator, teve como consequência a cassação de Acórdãos do Tribunal de Contas do Estado do Paraná, por meio dos quais defendia a tese de que a LC 173 não proibia a revisão anual dos salários do funcionalismo. Nos Acórdãos de igual teor das ADIs mencionadas, a Primeira Turma do STF assentou que:

“7. Os arts. 7º e 8º da LC 173/2020 pretendem, a um só tempo, que a irresponsabilidade fiscal do ente federativo, por incompetência ou populismo, seja sustentada e compensada pela União, em detrimento dos demais entes federativos. A previsão de contenção de gastos com o aumento de despesas obrigatórias com pessoal, principalmente no cenário de enfrentamento de uma pandemia, é absolutamente consentânea com as normas da Constituição Federal e com o fortalecimento do federalismo fiscal responsável (grifei).

Em que pese a necessidade urgente e inadiável de recomposição salarial dos militares estaduais paulistas, e o fato de haver interpretações divergentes, entendendo ser possível a revisão anual de salários com base no inciso X do artigo 37 da Constituição Federal, pelo menos em termos de recuperação de perdas inflacionárias, o entendimento da Suprema Corte foi no sentido de que a proibição é absoluta e não viola o comando constitucional precedentemente mencionado, por não ser ele de aplicação cogente, podendo o gestor local justificar a sua não aplicação por falta de recursos ou mesmo por já haver atingido o limite prudencial de despesas com pessoal estabelecido pela Lei Complementar nº. 101 de 2000, conhecida como Lei de Responsabilidade Fiscal. Nesses termos, assim se manifestou o STF no julgamento do Recurso Extraordinário 843112/SP:

“3. A Constituição não estabelece um dever específico de que a remuneração dos servidores seja objeto de aumentos anuais, menos ainda em percentual que corresponda, obrigatoriamente, à inflação apurada no período, embora do artigo 37, X, da Constituição decorra o dever de pronunciamento fundamentado a respeito da impossibilidade de reposição da remuneração dos servidores públicos em dado ano, com demonstração técnica embasada em dados fáticos da conjuntura econômica. Precedente: RE 565.089, Redator do acórdão Min. Roberto Barroso, Plenário, DJe de 28/4/2020, Tema 19 da Repercussão Geral”

No Acórdão do Recurso Extraordinário citado, foi fixada a seguinte tese:

“O Poder Judiciário não possui competência para determinar ao Poder Executivo a apresentação de projeto de lei que vise a promover a revisão geral anual da remuneração dos servidores públicos, tampouco para fixar o respectivo índice de correção”.

Nessa linha, não cabe mais, no momento, discussões jurídicas sobre o alcance da LC 173/2020 e do artigo 37, inciso X, da Constituição Federal, e nem, tampouco, discussão midiatizada, beligerante e não fundamentada, devendo agora os esforços estarem concentrados no trabalho político de interlocução com o Governo, na busca da justa reivindicação.

A propósito, sobre as manifestações acaloradas, por vezes com a utilização de percursos discursivos estritamente passionais, convém pontuar que o equilíbrio e a ponderação devem ser a base de qualquer discussão que se queira produtiva. Frase atribuída a Winston Churchill propõe que “é preciso ter coragem para levantar e falar, mas também é preciso ter coragem para sentar e ouvir”. Como todos estão em busca dos mesmos objetivos, a discussão serena, respeitando as divergências, é sempre a melhor forma de alcançá-los. Recuperando outra frase pronunciada por Churchill e bastante conhecida, “a democracia é a pior forma de governo, à exceção de todas as demais”. E democracia, como exercício permanente de administração de controvérsias, pressupõe a busca do diálogo e da interlocução contínua, entre todos e com qualquer governo, independentemente da ideologia que o informe e mesmo que esse governo imponha obstáculos a essa interlocução. E essa atitude é particularmente recomendável, em se tratando de integrantes de uma instituição que tem como pilares a hierarquia e a disciplina.

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